Caminhos em Dias de Luz

Capítulo 15 — Nada importa para a alma apaixonada

Caminhos em Dias de Luz

Texto: Carolina Bivard

carolinabivard@gmail.com

Revisão: Nefer

Ilustração: Táttah Nascimento


 

Capítulo 15 — Nada importa para a alma apaixonada

 

Alesha a encarava, esperando que Laura contasse algo sobre ligação. Diante do silêncio da loira, perguntou: 

— Seu pai ligou pelo celular de Ronan?

— Foi.

— Então foi com ele que eu conversei de manhã?

— Muito provavelmente.

Do rosto de Laura tinha se esvaído toda a alegria de minutos atrás e se encontrava tenso e coberto por um véu de tristeza. Sentou-se na cama sem ação.

— Ei, baixinha! Não fica assim, ele me pareceu até educado quando falou comigo.

Laura olhou para Alesha desolada, pois seu pai acabara de ameaçá-la sem que ela soubesse.

— Como foi a conversa de vocês, hoje mais cedo?

— Nada de mais. Como eu disse, eu atendi depois que ele já tinha ligado umas três ou quatro vezes. Como no identificador estava o nome de Ronan, resolvi atender, pois me parecia muito insistente…

— Sim, meu pai é altamente insistente, enquanto sua magnânima vontade não é atendida. — Laura falou com brusquidão.

— Mas eu não sabia…

— Me desculpa, Alesha! Isso não tem nada a ver com você. É que eu estou cada vez mais decepcionada com as atitudes de um homem que se diz meu pai. Ele me intimou a voltar para casa, está com o celular de Ronan e nem sei o que está havendo por lá.

O celular de Laura tocou novamente e Laura viu um número desconhecido. Atendeu imbuída de um sentimento de revolta enorme.

— O que você quer agora? — Laura gritou descontrolada. — Já não chega ter enlouquecido minha Mãe?! — O tom dela era rude e subia em notas, cada vez mais.

— Laura.

— Ronan?! Ronan, o que aconteceu? Desculpa ter falado assim com você é que…

— Seu pai ligou do meu celular.

— Você sabia?

— Intuí, pois seu pai me chamou hoje de manhã no escritório e disse que já não precisava mais de meus serviços. Deu-me um cheque referente ao aviso prévio e disse que não me queria lá nem por mais uma hora. Quando fui arrumar minhas coisas, não achei meu celular em lado algum. Você sabe como sou organizado. Tinha deixado no canto da bancada da cozinha, mas…

— Meu Deus! O que ele está fazendo? Mil desculpas, Ronan…

— Não é sua culpa, Laura. Sabemos como seu pai é imperativo.

— Imperativo, Ronan? Ele é um louco, autoritário e arrogante! Como você pode ainda amenizar as coisas que ele faz? Olha, Ronan. Anote meu endereço e venha até aqui. Gostaria de conversar com você. Pode vir aqui hoje?

— Posso sim, minha menina. Aliás, estou morrendo de saudades de você.

Laura sorriu, pela primeira vez, após o telefonema de seu pai.

— Eu também, Ronan. Venha para almoçar comigo e com uma amiga muito querida minha.

Laura olhou sorrindo para Alesha que não parava de acariciar os cabelos da loirinha desde que seu pai ligara. Devolveu o sorriso.

— Está bem. Chego por volta de uma hora da tarde.

— Combinado. Anote aí.

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Quando a campainha tocou, Laura já havia terminado o almoço e Alesha já tinha ido para sua casa se trocar e tinha retornado. Laura atendeu a porta e abraçou seu velho amigo.

— Entra, Ronan.

— Como vai a minha menina?

— Não tão bem como eu gostaria. Meu pai está passando, e muito, dos limites. Bem, mas não vamos falar disso agora. Quero te apresentar Alesha.

— Alesha, esse aqui é Ronan. Ele sempre escondeu as besteiras que eu fazia quando era criança para que minha mãe não me castigasse.

— Ora, você não fazia nada de mais, só peraltices de criança.

— Prazer, Ronan.

Alesha estendeu a mão para cumprimentar o senhor simpático à sua frente.

— Prazer, Alesha.

Ronan olhou para as duas e percebeu o grau de intimidade com que elas se olhavam. Sua criança tinha olhos felizes e vivos na direção da mulher à sua frente. Com certeza sua menina estava conhecendo o amor. Já sabia de suas inclinações, pois seu pai, depois que ela foi morar em Bristol, falava para a esposa que ela era a responsável pelas tendências homossexuais de Laura, que ela não a havia educado direito. Sempre interferiu, mesmo que à distância, nos relacionamentos que Laura investia em sua estadia na cidade inglesa.

“Meu Deus! O senhor Archiligias vai transformar a vida dessas meninas num inferno!”

— Sente-se, Ronan, fique à vontade. Vou pegar um espumante para bebermos. Você acompanha a gente, não acompanha?

— Claro, senhori…

— Ronan!

— Desculpa, Laura. É o costume. Acompanho sim.

Almoçaram e passaram a tarde toda conversando. Laura confirmou suas suspeitas de que seu pai havia posto um detetive atrás dela. Não tinha muita importância para Laura. Ele poderia colocar a guarda montada toda do exército que Laura não se intimidaria. Fora vigiada a vida inteira, então agora seria vigiada à distância e não ostensivamente. Ronan deixou o endereço de sua casa e foi embora com a promessa de não sumir da vida de Laura.

— Vou ter que ir para casa também. Tenho algumas coisas para arrumar, antes de começar no trabalho na segunda-feira.

— Ah, Não!

Laura fez beicinho e Alesha mordiscou seu lábio.

— Eu não posso dormir aqui todo dia!

— Você não vai dormir aqui todo dia, mas vamos fazer o seguinte. Você dorme hoje, eu te ajudo com suas coisas amanhã na sua casa, eu volto para casa para dormir amanhã e você dorme na sua casa. Que tal?

Alesha olhou para Laura que fazia uma carinha de dengo, só.

“Com esse rostinho lindo manhoso, como vou resistir a essa mulher! Desse jeito ela vai tirar tudo de mim, até minha roupa se quiser.”

— Está bem, mas só se…

— Só se?

— Só se me der um beijo bem gostoso e esfregar as minhas costas naquela hidro do seu banheiro!

Laura sorriu e se inclinou como se fizesse uma reverência a uma princesa.

— O que você quiser minha ama.

— Hum… Ama?! Gostei disso!

— Vamos lá, ô sem vergonha.

Laura começou a empurrar Alesha para o quarto, rindo da falta de modéstia da morena.

— Ei! Cadê meu beijo que você prometeu?

Laura parou, passou seus braços pelo pescoço de Alesha e sussurrou entre seus lábios.

— Está aqui…

Beijou Alesha, lenta e sensualmente. Sua língua passeava com calma, degustando o sabor da morena que começava a dar sinais de que estava muito disposta a continuar com a sessão “beijos”, passando a mão pelo corpo menor, avidamente. Laura segurou a onda das duas e empurrou Alesha para dentro do quarto.

— Não, não, não, mocinha! Senta aqui, que eu vou aprontar o banho da princesa.

Antes de Laura se afastar, Alesha pegou sua mão e a fez retornar e sentar em seu colo para mais um beijo.

— Mmm! Agora você pode ir.

— Sabe que você é muito safada?

— E você adora…

— Alesha Mansur! Não me provoque!

Laura levantava e falava sem colocar muita convicção nas palavras, pois tinha um enorme sorriso em seu rosto.

— Não vou nem perguntar como soube meu sobrenome.

Laura colocou a cabeça para fora da porta do banheiro.

— Provavelmente, da mesma forma que você soube do meu.

Laura tinha um sorriso vitorioso nos lábios.

— Claro que não! Eu sou do RH e é normal as fichas passarem por mim.

Laura abriu um pouco mais do seu sorriso.

— Não os contratos dos chefes de departamento. Esses ficam no jurídico.

Laura retornou ao banheiro sem esperar pela resposta.

— Mas as fichas continuam no RH.

— Mas não passam pela sua mão, são arquivadas direto, então você andou pesquisando…

— Oh, nossa! Essa garota é esperta! Tô ferrada!

Alesha falava para si mesma, apreciando tudo que vinha da sua baixinha. Ficou pensando em como se conheceram e em tudo que agora envolvia sua vida com a de Laura.

“Meu Deus! Não tem um mês que a conheço, não tem dois dias que estamos juntas e tudo que eu quero é cercar esse pedaço de gente num halo de amor e proteção! Eu tô lascada e mal paga!”

— Alesha! Vem!

Alesha escutou o chamado da sua baixinha de dentro do banheiro. Sacudiu a cabeça, sorriu e levantou.

— Minha baixinha… Tô lascada, mal paga e amando! Pode isso?

Alesha foi para o banheiro e Laura estava na beirada da hidro, testando com a mão a temperatura da água. Estava um dia quente.

— Espero que esta água esteja fresca, porque tá um calor danado.

Laura olhou para Alesha divertida.

— A água está fresca, mas não posso dizer a mesma coisa de mim…

“Meu Deus! Tô lascada mesmo!”

Alesha se aproximou e Laura veio a seu encontro.

— Minha ama! Deixa eu tirar primeiro isso daqui.

Laura pegou a blusa de Alesha e suspendeu para tirá-la.

— E isso…

Abriu o botão e o zíper da calça, puxando-a para baixo desvendando lentamente a pelve e as pernas, fazendo Alesha retirar os pés para tirar completamente a calça. Laura olhou o corpo da morena.

“Que mulher é essa?!”

— Será que eu mereço isso tudo? — Laura se expressou em voz alta, enrubescendo logo a seguir.

— Merece, amor! – Alesha riu. –Mas eu mereço também…

Alesha puxou o vestido que Laura usava para retirá-lo. Levantou aos poucos para descortinar lentamente a visão do corpo de sua pequena loira. Havia gravado em sua mente a visão do corpo da mulher mais cedo, mas era como uma dádiva olhá-la novamente, em sua sublime e singela beleza.

As duas pareciam hipnotizadas, cada qual com o corpo da outra. Olhavam-se e se admiravam, tocando-se reverentemente, como se toca em algo sagrado.  A chama de seus desejos ardia lenta e continuamente. Nada era apressado, nada era afoito ou fortuito. Apreciavam-se e veneravam em toques delicados, aumentando o fogo que parecia querer explodir em uma força de cores e luz.

A hidro havia sido esquecida momentaneamente para que suas almas fossem saciadas com o preenchimento das carências de vida sem sentido, até aquele momento mágico. Beijaram-se, querendo sorver e dar à outra o amor transbordado de suas almas. Alesha cingiu Laura em seu regaço e pousou os lábios sobre a cabeça da loira, deixando uma lágrima de felicidade, inexplicada, descer de seus olhos. Laura suspirou e deixou escapar o sopro de seu pensamento.

— Encontrei meu lar.

Alesha sorriu e beijou novamente a cabeça de Laura.

— Eu também… Mas…

— Mas? — Laura olhou para Alesha ainda abraçada a ela e com uma expressão confusa no rosto.

— Mas saiba que nem por isso vou deixar que você se livre de esfregar minhas costas.

Alesha fez uma cara de cínica para mexer com Laura. Mas a verdade é que, naquele exato momento, teve a consciência de que não teria felicidade na vida se não visse a felicidade de sua baixinha.

Laura fitou Alesha e percebeu a emoção estampada em seus olhos. Sorriu, pois começava a desvendar a incrível mulher que existia por trás da irreverência da morena.

— Vamos, ama! Estou à disposição para lhe banhar.

Alesha nada falou. Apenas deixou que Laura a conduzisse para dentro da hidro, sabendo que poderia esconder seus pensamentos, mas não esconderia mais a sua alma…

 


 

Nota: Hoje venho deixar aqui uma nota triste. É uma notícia principalmente para quem não me acompanha no facebook e só tem informações lendo as minhas histórias. Meu pai faleceu na noite de anteontem, sendo enterrado na manhã de ontem. Ele já estava há três semanas internado em decorrência de problemas cardíacos, porém no hospital, adquiriu o vírus COVID 19. Foi transferido para uma UTI somente com pacientes de coronavirus. Seu coração já estava enfraquecido e não resistiu ao tratamento. 

Quero alertar para o quanto essa infecção é agressiva em muitos caso e o quanto ela é contagiosa, mesmo que tomemos as precauções.

O hospital em que meu pai estava não era público, sendo um dos melhores hospitais da região. Não culpo nenhum agente de saúde, pois via o quanto eles eram cuidadosos e diligentes. Agradeço-os até, pela dedicação com que vinham tratando meu pai e me compadeço deles, pois estão na linha de frente, tentando refrear esta doença, além de se colocarem constantemente em risco. Mesmo assim, o coronavírus levou meu pai e ele entrou para as estatísticas de meu estado.

Não pude velar o corpo de meu pai e nem pude vê-lo nos dias que sucederam a descoberta do contágio. Não pude me despedir em vida e na morte, só pude me aproximar do caixão, após terem baixado na cova. Esse é o protocolo de segurança para quem falece em decorrência do coronavírus. Não contesto o protocolo. É para a segurança de quem está vivo e saudável.

Vi os coveiros ao longe, levar o caixão e baixá-lo. Todos paramentados com roupas de segurança viral, dos pés à cabeça, para se protegerem.  

Somente relato essa questão para que saibam o quanto é sofrido para quem fica, vendo seus entes queridos partirem deste plano, sem que possamos ao menos nos despedir. É uma dor imensa. Uma sensação de impotência e desalento. Um vazio.

Por isso peço encarecidamente: Cuidem-se! Senão por vocês, pelos que estão ao redor de vocês, independente da opinião que tenham sobre essa terrível doença. Respeitem quem tem uma opinião diferente, mesmo que acreditem que o melhor e retornar à vida normal. Isso é democrático. Auxiliem quem está próximo a vocês e se encontra em dificuldades. Se é você que está em dificuldades, peça auxílio, a quem possa ajudar, para passar por essa era de obscuridade, mas se cuidem e cuidem dos seus. 

Hoje vivo não só a dor da perda, mas também, a preocupação. No dia que meu pai faria um pequeno procedimento, uma de minhas irmãs, que amo muito, saiu da quarentena que fazia, para ir ao hospital liberar documentos do plano de saúde. Neste mesmo dia saiu o resultado da contra-prova do exame de coronavírus de meu pai, no que foi suspenso imediatamente o procedimento. Hoje, ela está em casa, há quatro dias dentro do quarto, isolada até mesmo de seu marido e filho, pois dias depois, começou a apresentar sintomas de febre, dores pelo corpo e outros sintomas. Só falo com ela por vídeo. Ela nem pôde sair para o enterro de nosso pai.

Esta realidade está me marcando, além do que imaginava.

Talvez não queiram saber disso tudo que vos falo, porém, senti a necessidade de compartilhar. 

Enfim, peço somente que se cuidem e desculpas por não conseguir responder aos comentários anteriores. Não estaria de alma e somente respondendo por convenção. No dia de hoje, eu necessito somente de abraços. (Não literalmente. Emanações de amor, quis dizer).

 

 

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