Caminhos em Dias de Luz

Capítulo 1 – Fadiga

Caminhos em Dias de Luz

Texto: Carolina Bivard

carolinabivard@gmail.com

Revisão: Nefer

Ilustração: Táttah Nascimento


Capítulo 1 – Fadiga

Mais uma noite e ela lutava com o sono. Tentava, em vão, encontrar uma forma de achar interessante ir dormir e desperdiçar os momentos de interatividade consigo.  Era tão bom estar com seus próprios pensamentos, entretanto, infelizmente, tinha um dia inteiro de trabalho pela frente. Já eram altas horas da madrugada quando foi dormir.

“Que droga! Vou ficar arrebentada amanhã, novamente, lá no trabalho!”

Deitou-se e esperou que sua mente parasse de funcionar tão ativamente. O sono chegou tarde e o relógio tocou cedo. Levantou-se a contragosto e foi para o banho, tentando despertar de seu sono matutino. Arrumou-se e saiu logo a seguir, sem tomar café.

Chegou à loja na qual trabalhava e foi direto para o escritório. Era formada em administração, mas trabalhava em recursos humanos de uma grande loja de departamentos. Tinha a certeza de que seu esforço em terminar a faculdade se resumira a contratar e despedir pessoas. Simplesmente frustrante.

— Bom dia, Alesha! O que foi? Algum problema? Você está com uma cara muito amarrada hoje.

— Bom dia, Naomi! O de sempre.

— Alesha, por favor, você tem que procurar um médico. Suas insônias estão mais frequentes!

— Já te falei que o meu problema não é médico. É o que eu faço. Sinto como se estivesse perdendo tempo… Não quero passar o resto da minha vida tendo que admitir e demitir pessoas. Essa loja é um inferno! Isso nunca vai acabar porque as pessoas não são máquinas para trabalhar. Está tudo errado. – Alesha bufou. – Se você olhar o jurídico, tem um monte de processos trabalhistas, porque eles determinam como nossa função descartar as pessoas e de forma burra, ainda por cima. Você sabe, melhor do que eu, que demitimos, na maioria das vezes, sem dar todos os direitos porque a diretoria acha mais vantajoso. É tanta grana envolvida que eles preferem lucrar com os juros de aplicações, sabendo que não vai fazer a menor diferença na hora de pagarem os coitados em juízo.

— Você não está com férias vencidas? Por que não tira e descansa um pouco?

Alesha bufou.

— Naomi, você não se incomoda?

— Claro que me incomoda, mas temos muito mais coisas para ver do que isso aqui. Tenho dois filhos e um ex-marido que não deposita a pensão há mais de seis meses! Sabe que eu entrei na justiça contra ele… Você tem um aluguel para bancar e, que eu saiba, não é nada barato. Até hoje, eu não sei por que você quis morar na zona sul. Você poderia morar onde moro. Méier é mais barato e está legal agora, com as pacificações das comunidades.

— Já te disse que, pelo menos, quero ter o direito de morar em um lugar que gosto.

— Então, está numa sinuca de bico porque, para isso, você não pode se dar ao luxo de jogar seu emprego fora.

Seus pensamentos estavam em um turbilhão, pois sabia que Naomi tinha razão em certo aspecto, contudo esse pensamento a respeito do que andava fazendo ainda permanecia forte. Ela suspirou.

— Eu acho que você tem razão. Tenho que tirar uns dias, se não vou enlouquecer!

— Se você quiser eu preparo a sua documentação hoje, para que, na segunda-feira, você comece a gozar de seu período de férias.

— Não quero tirar os trinta dias diretos, sabe que não posso.

— Tudo bem. Quinze dias estão bem para você? Sabe que isso você pode.

Alesha havia sentado em seu posto de trabalho, olhando difusamente para a tela do computador. Naomi se aproximou e começou a acariciar os seus cabelos negros. Elas tinham simpatizado uma com a outra, desde o primeiro dia de trabalho. Foi uma grande amiga e um ombro em vários momentos, principalmente na separação com seu marido. Houve uma época em que ela havia ficado chocada, quando Alesha lhe confidenciou sobre sua orientação sexual. Sua mãe era católica fervorosa, seu ex-marido evangélico e tinha raízes religiosas muito fortes, apesar de sempre questionar e discordar de uma coisa ou outra, mesmo assim suas raízes estavam lá.  No entanto, custava a acreditar que Deus castigaria uma mulher de tão íntegra índole, só por amar outra mulher. Então, não era por acaso o amor que todas as religiões pregavam?

Adorava a forma direta, sincera e assertiva que ela tinha, todavia, sabia também que integridade moral, por vezes, a arrastava por questionamentos que a faziam corroer. Os trinta e quatro anos e uma faculdade tardia, cheia de expectativas, à base de muito sacrifício, fizeram Alesha ter esperanças de que talvez devessem ser mais racionais.

Naomi pousou as mãos nos ombros caídos, em prostração, da amiga, para chamar a atenção daqueles olhos brilhantes e de azuis intensos.

— Alesha, por favor, me escute com atenção. Sei que tem razão em muitas coisas, mas ainda não é o momento de você desistir. Paciência é uma virtude, como diria a minha mãe. Trabalhe para que uma hora você possa ter a oportunidade de se mostrar e modificar as coisas. Não desista.

Aquele gesto de carinho e aquelas palavras caíram como um bálsamo para a alma atribulada. Suspirou, mais uma vez.

— Está bem. Não se preocupe, minha amiga, foi só um dia que comecei ruim.

Pousou suas mãos sobre as de Naomi.

— Obrigada.

— Bom, então vamos trabalhar. Amanhã é sexta-feira e será seu último dia de trabalho, antes das férias.

Alesha a olhou rindo.

— E como pretende fazer isso tão rápido?

— Eu não sei se você sabe, mas eu tenho uma grande amiga que trabalha no RH e ela consegue tudo!

Naomi falou rindo e deixando Alesha às gargalhadas.

— O nome dela é Naomi? Eu a conheço também.

— Viu como você é uma pessoa de sorte e bem relacionada?

— Você é uma figura mesmo, Naomi.

Alesha gargalhou outra vez, permitindo-se gozar de um alívio grande. Definitivamente, ela precisava se afastar do escritório um pouco.

As pessoas do departamento começaram a chegar e o chefe também, acabando com os momentos de tranquilidade das duas. As demandas da loja começaram a ser lançadas em cima de todos e o dia, mais uma vez, correu tão rápido que o cansaço, no fim do dia era sentido por todos os músculos do corpo da morena.

Ela pegou sua mochila em que carregava sua roupa para malhar, despediu-se de todos e chegou à academia apenas 40 minutos antes de fechar. A professora do horário se aproximou.

— Alesha, você é um pé no saco. Além de chegar a essa hora em que a academia está quase fechando, ou seja, arruinou meus planos de ir para casa mais cedo, você não vai fazer sua série toda e ainda vai denegrir a minha imagem como professora. Quando perguntarem quem fez sua série, eu nego que fui eu! — Ela abriu um grande sorriso.

— Primeiro: o seu horário não é negociável, disso eu tive informações concretas; não importa que você não tenha nenhum aluno, você é obrigada a ficar até dar o horário. Segundo: com esse corpinho aqui… – Alesha apontava para seu próprio corpo. — Você vai falar para todo mundo que é minha professora desde que eu era criancinha! – Respondeu debochada.

As duas riram das implicâncias uma com a outra. Alesha já malhava na mesma academia há muitos anos, desde a época do início da faculdade e conhecia todos os professores. Era uma hora em que conseguia exorcizar seus demônios. Sabia que Patrícia só estava implicando com ela.

— Bom, vamos deixar de papo porque hoje tenho que correr os 40 minutos, senão nem vale a pena.

— Pois é disso que eu estou falando. Hoje, você nem vai para a musculação!

— Ei! Semana que vem eu estarei de férias e aí farei tudo direitinho, tá bom?

— Legal. Considerando que você tem férias uma vez por ano, sua série vai ficar uma maravilha!

— Duas vezes por ano. Eu negociei, quinze dias agora, quinze dias em outra época.

Alesha já ligava a esteira e olhava Patrícia com a cara mais cínica que podia fazer, elevando as sobrancelhas.

Patrícia riu.

— Deixa para lá. Eu não posso com você mesmo!

— Será que é meu jeitinho?! Você podia considerar o meu pedido para sair, podemos discutir mais sobre isso…

— Você conhece a palavra hétero?

— Já olhei no dicionário, mas confesso que não entendi o significado.

O rosto de Alesha era mais cínico ainda. Não queria realmente sair com Patrícia. Fazia as investidas para provocá-la. Sabia que ela levava numa boa as suas brincadeiras.

— Talvez daqui a cinquenta anos. Até lá, ainda tem muito gato para eu pegar.

— Mmm… Então, eu tenho uma chance… Pode deixar, daqui a cinquenta anos eu volto a conversar com você sobre isso.

Patrícia balançou a cabeça, sorrindo em um sinal de incredulidade.

— Você não tem jeito mesmo! Vou para a musculação. Se precisar de alguma coisa, me chame. Daqui a quinze minutos eu volto para aferir sua frequência cardíaca, ok?!

— Beleza!

A sexta-feira foi como todas as outras: intensa. Finalmente, a semana terminara e Alesha tinha quinze dias à sua disposição. Estava um pouco perdida, pois vivia da casa para o trabalho e, há muito tempo, não sabia o que era não fazer absolutamente nada. Não tinha programado qualquer coisa para as férias, pois havia sido uma decisão de estalo. Sempre viajava, mas dessa vez, ficaria em casa mesmo.

“Ok! Cadê sua vida pessoal, Alesha? Poderia ligar para Fernanda para sairmos no sábado. É… Mas Fernanda poderia te dar um tremendo esporro por não ligar para ela durante dois meses. Droga! Por que eu tenho que ser tão ranzinza? Bom, isso é fácil responder; porque eu não quero que ninguém se meta na minha vida. Mas também eu não participo da vida de ninguém… Isso é bom? Ah! Deixa pra lá! Eu vou ligar para a Fernanda e pronto. Levo um esporro, mas saio do casulo”.

— Alô!

— Fernanda? É a Alesha.

— Não conheço ninguém com esse nome, se conheci um dia, já esqueci…

Alesha permaneceu em silêncio, pois sabia que a amiga estava magoada, por ela não ter entrado em contato por tanto tempo.

— Ah! Vai lá, Alesha. Falando com você, pelo menos, posso te esculachar e exorcizar minha raiva!

— Desculpa…

— Não desculpo, não!… Eu tô com saudade de você, sua cachorra! Por onde você andou?!

— Estava trabalhando; entrei de férias hoje…

— “Tava” trabalhando?! E não pode nem deixar a porcaria do celular ligado para a gente falar com você?

— ¨¨

— Deixa pra lá. Conheço você, há tanto tempo, que já devia ter acostumado. O que é que manda?

— Quer sair amanhã?

— Bom… Vou ter que fazer esse sacrifício se quiser ver sua cara feia, né? – Fernanda riu, antes de continuar a conversa – Mas vou levar minha namorada, a Sheila.

— Namorada?!

— Por quê? Achava que eu ficaria na estrada para sempre?

— Não. É que… Bom, eu não sabia…

— Também, depois desse tempo todo! Mas não importa, passo para te pegar amanhã às oito da noite, aí a gente come alguma coisa em algum lugar e depois vê o que faz. Tá bom assim?

— Pra mim, tá legal. Beijos.

— Beijos.

“Essa me pegou de surpresa. A Fernanda namorando?! Também você queria o que, ô cabeçuda? Que ela fosse uma freira reclusa tanto quanto você? Pelo menos amanhã eu tenho programa”.

 



Notas:



O que achou deste história?

12 Respostas para Capítulo 1 – Fadiga

    • Oi, Olívia!
      Saudades menina!
      Olha, não dá ideias, pois sou capaz de fazer a “Galinha Pintadinha Lésbica”. kkkk Como fiz da chapeuzinho vermelho e da Bela adormecida! kkkkkk
      Obrigadão, Olívia, pelo carinho!
      Um beijo grande pra você! Ah! Hoje já saiu o segundo capítulo! rs

  1. Carol, adorei o primeiro capítulo! Não li anteriormente e já estou super curiosa com o desenrolar da história. Beijo Grande! Sua Fã!

    • Oi, Luciana! Que lindo o que falou sobre ser minha fã. Saiba que sou fã é de vocês. rs

      Essa história era uma das antigas, mas meu problema com ela, era reescreve para o jeito como penso hoje, na forma de escrita. Procrastinei porque me dava preguiça. rsrsrs Só que gosto dela.
      Mesmo assim, acho que ainda tá demorando para eu acertar a forma como gostaria. Ela é dinâmica, mesmo com um início mais paradinho.
      Brigadão, Luciana!
      Um beijão pra ti!

  2. Não lembro de ter lido ele como as meninas de cima falaram. Não importa pq se for sua vou me deliciar. kkkkkkkkkkkkkkk 2 x por semana? Tô detro do lobby. kkkkkkkkkkkkkkkk
    bj

    • Oxente!Essa semana postei duas vezes, mas não é promessa, viu? Sou daquelas que se me comprometo, tenho que cumprir e não sei se darei conta todas as semanas. rsrs
      Brigadão, Meg!
      Um beijão!

  3. Caramba que tudooooo ver e ler essa história novamente, megaaaa feliz e já ansiosa para os próximos capítulos.
    Ps: lembro de ter lido essa história no Abc e lembro ainda de algumas coisas.

    • Oi, Marcela!
      Então, eu gosto muito dela, só que tem muita coisa pra acertar. Nem sei se vou conseguir colocar do jeito que quero, mesmo assim, resolvi postar para me sacudir. rsrsr
      Espero que relembre dela com carinho! rs
      Um beijão pra você e obrigada!

  4. Ôooooo… yes

    Não lembro mto bem, mas sei q já li, na medida q leio vou recordando.

    Assim… atiçou agora guenta… vou fazer lobby por 2 x por semana. k k k

    Bjs,

    • Oi, Nádia!
      Bom, se não lembra de tudo é uma coisa boa. Atiça para ler e relembrar! rsrs
      “Podeixá”, não prometo postar 2x por semana, mas de vez em quando vai rolar, como esta semana. rsrs Promessa mesmo é a postagem às segundas. Não é maldade, mas é que estou reescrevendo algumas coisa, pois hoje, tenho outro jeito de escrever e alguns vícios de linguagem que eu tinha, me incomodam.
      Obrigadão pelo carinho, Nádia!
      Um beijão pra ti!

  5. Oiee, Carol!!
    Nossa, não lembro te ter lido e você postou no livrearbítrio tb..frequentava pouco lá!Vamos verao longo dos capítulos seme lembro!!
    Morta de sono, n sabia q era feriado e fui pra natação e tava fechado, mas ao menos vc publicou cedinho!!
    Show de bola!Manda ver!!
    Beijão

    • Oi, Lailicha!
      Você gosta de fics da Xena e Gabi, não é? rsrs Se não lembra dela, vai parecer que está lendo pela primeira vez! rsrs Aí, sei que vai se apaixonar pela Laura (Gabi) kkkkkkkkkk Lembra da nossa paixão? rsrsrs
      Valeu, Lailicha! Amo vê-la aqui!
      Um beijo grande pra ti!

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