Ela definitivamente não esperava voltar àquela casa, não depois da última discussão que teve com o irmão a um ano atrás. E, mesmo assim, lá estava ela passando pelo portão da guarita do condomínio e entrando na rua da casa em que viveu com a mãe por anos. O segurança ainda era o mesmo senhor e sorriu ao reconhece-la dentro do carro que era dirigido pelo seu advogado. Por mais que quisesse a presença da namorada, Alicia não poderia sair da cidade por conta de algumas consultas marcadas e Maia acabou chamando apenas Márcio para acompanhá-la.
Márcio estacionou o carro alugado na rua em frente a casa e Maia saiu sem esperar pelo homem. Avisou a ele para deixar as malas no carro e respirou fundo encarranco a porta, apertou o cabo da bengala que ainda usava por uma questão de conforto e liderou o caminho pela pequena inclinação que levava até a porta da frente. A casa era quase uma mansão, havia três vagas na calçada para carros, mais três vagas dentro da imensa garagem ao lado direito da construção. A porta da frente ficava do lado esquerdo junto de uma imensa janela de vidro na extremidade da casa em frente da qual havia um gramado verde bem cuidado.
Ela lembrava-se da imensidão de quartos na casa de dois andares e do jardim gramado com piscina que havia nos fundos. Não aproveitaria nada das comodidades do lugar, não havia mais nada seu lá dentro e não pretendia ficar muito tempo também. Antes que ela alcançasse a porta para tocar a campainha a madeira se moveu revelando Giovani usando uma camisa polo, uma calça jeans e um tênis azul. Os olhos verdes tinham olheiras grandes e profundas, a barba castanha clara estava grande e opaca, assim como os cabelos que estavam despenteados. Mas os olhos dele se arregalaram ao ver a irmã em sua postura ereta tão próxima da porta.
Maia usava uma calça jeans preta com uma bota da mesma cor com um pequeno salto, uma blusa de mangas compridas branca com gola redonda que deixava seu pescoço a mostra e tinha no braço esquerdo o sobretudo cinza pendurado, a mão direita apoiava a bengala nova de madeira vermelha. Vendo o olhar do irmão ela parou e ergueu a mão esquerda para tirar do rosto os óculos de sol, estilo aviador, de lentes marrom acobreadas. Seus olhos verdes calmos e profundos causaram um tremor no homem que não sustentou o olhar e apenas esperou que ela se aproximasse para convidá-los a entrar.
Como apresentações não eram necessárias os três entraram e Giovani guiou o caminho pelo corredor para a sala. Maia foi reparando em como a decoração mudara pouco, com ausência de vários objetos deixando a casa mais neutra num estilo mais conservador de decoração. Tudo parecia estar em seu lugar e a limpeza estava perfeita como sempre. Giovani lhes disse para se sentarem e ela escolheu uma poltrona que ficava de costas para a imensa janela da frente. Quando o homem perguntou se queriam algo para beber oferecendo água ou algum suco e se mantendo em pé como se estivesse pronto para ir buscar ela se pronunciou para sanar uma dúvida.
– Onde estão os empregados? – Maia se dirigiu ao irmão encarando-o novamente e, outra vez, ele não sustentou o olhar.
– Eu os dispensei por enquanto – ele respondeu – Não tem sentido manter um motorista se não tenho dinheiro para abastecer o carro, nem lógica manter as duas empregadas e cozinheiras se não há o que elas cozinharem. Os salários desse mês já estavam pagos, então ainda estão em dia até daqui duas semanas, mas como não sei o que vai acontecer deixei a critério deles buscarem novos empregos. Não posso garantir os salários a partir do mês que vem com minhas contas congeladas. Mas pedi que Madalena viesse ajeitar os quartos para vocês e desse uma organizada na casa.
Antes que algum deles pudesse dizer algo uma senhora de pele negra e cabelos presos num coque justo, usando um vestido amarelo com um avental cinza, apareceu no corredor e estancou ao notar as outras pessoas sentadas na sala. Os olhos castanhos escuros se arregalaram quando ela encarou os olhos verdes de Maia e pareceram se arregalar ainda mais quando a jovem sorriu largo e se levantou.
– Madalena – Maia chamou sorrindo e abrindo os braços.
A senhora esqueceu que estava na presença do patrão e entrou na sala abrindo os braços também e envolvendo Maia em um abraço maternal e cheio de carinho.
– Minha menina – ela disse emocionada se afastando para encarar Maia, segurando-a pelas mãos – Olhe só você. Está tão linda! – ela disse soltando as mãos e segurando os dois lados do rosto de Maia que tinha um sorriso enorme nos lábios – Esse rostinho tão feliz. E olhe só como está corada e mais forte. O sul te fez tão bem pequena Maia.
– Fez mesmo Madalena, fez por bem demais – Maia afirmou sorrindo e abraçando a senhora de lado – Me diga como está? Tudo certo aqui?
– Oh, sim menina. Apenas a questão do senhor Giovani – Madalena se calou rapidamente e virou-se para o homem que continuava perto do corredor com as mãos nos bolsos da calça – Perdão, eu não ouvi a porta, senhor Giovani.
– Está tudo bem, Madalena. Achei que já havia saído – ele respondeu dando de ombros – Pode trazer algo para nós bebermos? Veja o que há na cozinha, ok?
Madalena concordou e, depois de dar outro abraço em Maia, saiu deixando que Giovani se sentasse na ponta do enorme sofá onde Márcio ocupava a outra ponta perto da poltrona de Maia. Ele encarou a irmã, que o esperou para se sentar, por alguns segundos antes de baixar o olhar. Maia respirou fundo e se sentou também antes de começar a conversa.
– Antes de tudo, quero que me diga tudo o que fez de errado e o que não fez e explique o que está acontecendo – ela exigiu se recostando e cruzando as pernas com a esquerda por sobre a direita, suas mãos se apoiaram nos braços da poltrona.
– Vários contratos superfaturados, alguns com produtos vencidos, mas eram produtos de limpeza e alguns outros materiais de consumo mais resumidos a papelaria e procedimentos simples, principalmente os destinados aos acompanhantes e visitantes – Giovani começou a falar ainda sem encarar a irmã, ele suspirou antes de terminar de explicar detalhadamente alguns dos contratos – Ítalo era o responsável pelo material do centro cirúrgico. O homem que minha equipe operou e teve complicações teve uma sonda estéril vencida usada no pós-operatório, mas eu te juro Maia – ele falou encarando a irmã pela primeira vez – Eu não autorizei esse contrato! Superfaturei materiais cirúrgicos sim, mas nenhum deles era de má qualidade e nenhum colocava em risco a saúde dos pacientes.
– Como acabou sendo acusado de ter essa responsabilidade? – quem perguntou foi Márcio, Maia apenas encarava o irmão absorvendo toda a história.
– Ítalo – Giovani falou baixando o olhar outra vez – Quando a Polícia Federal nos procurou com os mandatos dentro do hospital e nos levou para dar depoimento ele ligou para um advogado da família dele. O pai dele havia nos sugerido diversos fornecedores e era também o responsável por nos indicar ao hospital. O advogado disse que nos tiraria e nos tirou. Ítalo me garantiu que esse advogado defenderia a nós dois, mas na semana seguinte vieram essas acusações e ontem esse advogado me garantiu que eu não seria preso, mas eu descobri que o nome de Ítalo mal estava sendo citado nas investigações. Como meu celular havia sido apreendido eu só o recebi do advogado ontem e a primeira coisa que fiz foi procurar pelo papai pra que ele me ajudasse a arrumar um novo advogado.
– Você é o bode expiatório – Maia falou em tom desgostoso pegando sua bengala e se levantando, deu as costas para os dois homens e encarou a janela de vidro enquanto Márcio questionava Giovani sobre ele ter assinado alguma procuração ou autorização para o outro advogado, quando o irmão negou ela interrompeu a conversa – Doutor Márcio tem uma procuração que você vai assinar – ela falou sem se virar e o advogado buscou sua pasta para pegar o documento – Diogenes ainda é seu motorista? – ela perguntou e o irmão confirmou – Peça para que ele volte aos serviços, ele vai com Márcio até alguns contatos, vamos achar outro advogado mais especializado nesses casos. Peça a todos os empregados que voltem aos trabalhos e me informe a lista de despesas da casa e dos salários, vou dar um jeito nisso enquanto suas contas estão bloqueadas.
– Obrigado – Giovani falou realmente agradecido e soando aliviado por ver, pela primeira vez, uma saída daquilo tudo.
– Não me agradeça, Giovani – Maia falou se virando para o irmão e parando com os pés paralelos e a bengala apoiada em frente a eles – Eu não estou livrando você das suas responsabilidades. Vai estar bem claro na procuração que não estamos dispostos a te inocentar – ela afirmou seriamente e viu o irmão engolir a saliva com força – Você vai arcar com as consequências daquilo que fez de errado, mas seu amiguinho também vai. E você vai ajudar a fazê-lo se responsabilizar. Aquilo que você ganhou indevidamente com certeza vai perder, mas vamos tentar fazer com que não perca tudo pagando indenizações. E se tiver que ir preso você será – ela avisou caminhando em direção ao irmão e parando a um passo dele que a encarou de baixo como uma criança recebendo um sermão – Você vai me ressarcir os custos com advogados no final disso tudo. A única garantia que te dou é que não vai perder a casa – ela disse com irritação – Não sou nossa mãe e muito menos nosso pai. Não vou passar a mão na sua cabeça e agir como se fosse apenas um equívoco de criança. Se quiser a minha ajuda vai ser assim. A escolha é sua.