Os Estranhos Casos de Evernood & Blindwar

6 – Quarto Caso: Um coração, uma pedra. – Parte 3

Os Estranhos Casos de Evernood e Blindwar

Quarto Caso: Um coração, uma pedra. – Parte 3

Texto: Carolina Bivard

Ilustrações: Táttah Nascimento

Revisão: Naty Souza e Nefer


No episódio anterior…

Evernood fez a pergunta em tom jocoso e Margaret logo emendou na fala.

— Você diz que respeitará o que eu escolher para nós, mas pede um quarto com uma cama somente?

— Na verdade, eu pedi um quarto com toalete e este era o único vago. Não pensei muito sobre ter uma ou duas camas. A cidade não está cheia e este é um dos poucos hotéis que estão funcionando nesta época do ano. Não enfiaria você e muito menos a mim, numa espelunca.

Continua …

 

Parte 3 –

Margareth sacudiu a cabeça, negativamente. Entrou, colocando sua valise sobre a cama.

— Não tem importância. Acho que estou muito reativa.

Evernood espelhou o gesto da amiga, deixando a sua pequena mala, também sobre a cama. Segurou os ombros da detetive de polícia, fazendo-a encará-la.

— Temos muito a fazer por aqui e precisamos nos centrar. Compreendo que o que está acontecendo entre nós é algo assustador para você, mas sei que poderemos lidar com isto depois. Concorda?

— Sim, claro!

Margareth respondeu com aparente segurança. Continuava a se etar com a naturalidade que a amiga tratava o “assunto” entre elas.

— Muito bem. Então vamos descer para comer algo no restaurante do hotel e aproveitar para sondar sobre o senhor Steven Bryer. Temos que saber um pouco mais dele, antes de o confrontarmos amanhã.

— Ok!

Após se alojarem, desceram as escadas e tomaram a direção do restaurante. Entraram e observaram que não tinha muito luxo, embora o hotel fosse o melhor da cidade aberto naquela estação do ano. Poderiam ter ficado em uma estância mais afastada, contudo, dificultaria a investigação. Queriam se integrar entre os moradores, para descobrir como o senhor Steven Bryer vivia e como era sua personalidade.

Sentaram-se à uma mesa e uma garçonete veio atendê-las, trazendo o menu.

— Boa noite, senhoritas. A cozinha está quase fechando, – a moça falou – devem fazer o pedido agora.

A garota não tinha muito tato e parecia estar aborrecida. As duas detetives se entreolharam. Perceberam que haveria dificuldades em conseguir informações. Evernood não se fez de rogada. Logo pediu a especialidade do restaurante.

— Quero este peixe frito com batatas fritas. Enquanto esperamos, pode me trazer um whisky.

— O mesmo para mim.

Blindwar também pediu, devolvendo o menu para a garçonete. A moça pegou os dois cardápios das mãos das hóspedes, pedindo licença, retirando-se.

— Parece que não conseguiremos muito por aqui.

Margareth afirmou, etada com a forma rude da atendente.

— Espero que tenha pedido para Edwin circular pela cidade.

Arrematou a frase e antes que Evernood a respondesse, a garçonete se aproximou com os copos de whisky, colocando-os sobre a mesa, retirando-se novamente. A detetive particular pegou seu copo, passando o olhar por todo o ambiente, antes de levantá-lo para um brinde.

— Se não querem conversa com os hóspedes que acabaram de chegar à cidade, vamos observar, apenas.

Blindwar tocou seu copo no da amiga, e olhou à volta. Havia mais duas mesas ocupadas e a garçonete atendia os fregueses com simpatia.

— Devo me sentir insultada?

Margareth falou jocosa, dando um gole na bebida e Elizabeth acompanhou, sorrindo.

— Ela deve pensar como todos. – Evernood insinuou.

— Como assim?

— Ora, Meg, somos duas mulheres desacompanhadas em um restaurante de hotel. Esta é uma cidade de veraneio e não estamos na estação de férias.

Margareth bufou, revoltada.

— Às vezes me esqueço dessa posição ridícula que todos taxam a nós, mulheres. Muitas vezes penso que minha mãe tem razão. Se não estamos acompanhadas de um homem, somos prostitutas.

Evernood riu, degustando sua bebida.

— Discordo de você. Se nos encarassem como prostitutas, tenha certeza que já haveria homens nos rondando, pagando bebidas e rindo conosco. O fato é que não sabem quem somos e tem certeza de que não somos cortesãs, Meg.

— Ou seja, somos mulheres subversivas, é isso?

Evernood riu novamente e tomou outro gole da bebida.

— Entende agora, por que carrego Edwin para todos os lados?

Margareth bufou e tomou um grande gole de sua bebida, antes de responder.

— O que faremos?

— Nada. Observamos e esperamos Edwin. Ele foi comer em algum lugar em que os “locais” frequentam.

— Acha que conseguirá alguma coisa?

— Ele é inteligente e habilidoso. Sempre há algum ébrio, que após algumas gotas a mais de álcool, solta a língua.

Margareth suspirou.

— Enquanto isso, esperamos impacientes e desejando que algum idiota não venha nos perturbar.

— Pelo contrário.

Evernood respondeu, sorrindo em direção a uma mesa, em que dois homens, bem-apessoados, estavam sentados. Um deles elevou o copo em cumprimento, enquanto a garçonete se aproximava com mais dois copos de whisky.

— Cumprimentos do senhor Howard.

A moça deixou os copos e Blindwar olhou na direção. Margareth não estava acostumada àquele tipo de aproximação. Era extremamente indelicado. Seria bem grosseiro, em qualquer situação, dentro de seu meio, porém, via uma oportunidade, assim como Evernood, de colherem informações.

Ali, não era a “princesinha” de sua família. Se queria respeito entre seus pares da polícia, deveria deixar de lado os conceitos aprendidos em sua classe social.

A noite fora dura para a detetive de polícia. Aturaram dois homens, que embora não fossem desagradáveis e nem desrespeitosos, conseguiu perceber as investidas insistentes, de um deles, para com a sua companheira de investigação. Estava furiosa com os flertes do homem, que não fora rechaçado, de todo, pela detetive particular.

Evernood abriu o quarto, deixando que Blindwar passasse na frente, trancando a porta atrás de si.

— Precisava daquilo? Ele não nos deu muitas informações e, você, estava flertando com aquele homem, descaradamente!

Margareth estava furiosa!

— Eu consegui muitas informações. Sabemos que Steven Bryer é um senhor respeitado na cidade e que temos que ter tato com ele, por seu temperamento volátil. Sabemos que suas fazendas de tabaco são muito producentes e que ele não é “um qualquer”, embora esbanje dinheiro, fazendo contribuições para um clube de golfe, patrocinando jogadores e apostando neles. E agora, sabemos que mudou de nome.

— Você estava se jogando para cima daquele homem no restaurante, Beth!

— Eu estava investigando e precisávamos das informações.

Evernood se divertia com o ciúme da amiga. Sabia que não poderia confrontá-la. Amar alguém do mesmo sexo, era muito novo para a detetive de polícia e possivelmente algo aterrador. Elizabeth queria que o entendimento dela, sobre aquele tipo de sentimento, fosse suave. Pela primeira vez em sua vida, compreendia as implicações e se importava.

Sempre fora impulsiva e acreditava que se uma mulher a amasse, deveria a assumir de corpo e alma. Infantilidade que foi compreendida, após retornar à sua cidade e se encantar por Margareth, que enfrentou todas as tradições arraigadas de sua classe, para ter o mínimo de satisfação na vida, dentro do que acreditava.

— Você está rindo de mim?

Evernood tentou esconder o semblante burlesco, para não a injuriar. Não obteve sucesso com o intento.

— Desculpa, mas você está muito engraçada, fazendo essa cena toda, por um homem que não representa nada, além de nossa investigação.

Evernood soltou o riso, enfurecendo mais ainda, a detetive de polícia.

— Você é presunçosa, Beth!

Margareth esbravejou, irritada.

— Meg, vamos dormir. – Elizabeth respondeu simplesmente. – Amanhã pensaremos melhor, ok?

— Não! Não está, ok! – Vociferou. – Você é uma mulher… Uma mulher…

Margareth não conseguia arrumar palavras e muito menos seus pensamentos. Estava possessa.

— Calma.

Evernood se aproximou, tentando tranquilizá-la.

— Não estou calma e nem quero ficar!

Blindwar segurou a cintura de Evernood e a empurrou a passos lentos, encarando-a, até que as costas da detetive particular tocassem a parede. Elizabeth, paralisou, assim que a mulher que amava a segurou com possessividade.

— Não conseguiria ficar calma diante daquela situação, Beth, e tenho certeza que “você” sabe disso!

Blindwar reforçou a palavra “você”, apontoando o dedo indicador no peito da detetive particular e logo em seguida, beijou Evernood, deixando-a aturdida e sem ação. Separaram-se, entretanto, Margareth ainda estava irritadiça.

— Se quer que eu considere alguma relação mais íntima, me dê um tempo e fique longe de flertes, para que eu acredite que possa ser possível algo desse tipo entre nós.

Separou-se da detetive particular, pegando a valise sobre a cama e a passos duros, trancou-se no toalete.

— Sim, senhorita Blindwar!

Elizabeth exclamou e, embora atônita com a reação, adorou saber que havia uma chance de Margareth aceitar a relação entre elas. A detetive de polícia não deu espaço para que Elizabeth falasse mais nada ou tentasse algo. Quando retornou do toalete, deitou-se em um dos lados da cama, com o corpo virado para fora.

Elizabeth entendeu. Pelo que já observara da personalidade de Margareth, que não adiantaria insistir em uma conversa. Trocou-se e se deitou para dormir.

Na manhã seguinte, Evernood se levantou mais cedo do que a amiga e resolveu procurar Edwin. Desconfiava de que Margareth quase não havia dormido, pois estava num sono profundo, durante todo o tempo que levou para se arrumar.

Desceu para o restaurante para o desjejum e viu Edwin em uma outra mesa. Fez um sinal disfarçado com a cabeça. Não deveriam ser vistos juntos. O policial Spencer, estava à paisana, em outra mesa e, também, não se comunicou com nenhum deles. Haviam acertado de não entrarem em contato abertamente, até que elas fossem falar com Steven Bryer.

Comeu e pediu para entregarem o café da manhã de Margareth no quarto. Saiu e foi caminhar pela cidade.

Andou como se estivesse conhecendo Everytown e encontrou uma feira.  Parou em frente a uma banca de frutas. Não levou mais que uns segundos para que Edwin se chegasse. Passaram a andar lado a lado entre as barracas, conversando baixo e disfarçadamente.

— O que descobriu? – Evernood perguntou.

— Steven Bryer não passa dificuldades. As fazendas de tabaco dele são bem lucrativas.

— Fazendas?

— Ele comprou mais duas fazendas depois que se estabeleceu e a primeira deu lucros. Soube, também, que ele odiava o irmão. Chamava-o de pederasta.

— E Leonard Bryer era pederasta?

— Ninguém leva a sério o que ele fala, pois havia essa mágoa entre eles e o senhor Leonard Bryer tinha sua família e todos reconhecem o amor que havia entre ele e a esposa Florence.

— Então, não é uma acusação. É simplesmente a forma que Steven encontrou de extravasar a ira que tinha do irmão.

Evernood constatou, mantendo a mente aberta e conjecturando o que ouviu do seu assistente.

— É o que parece. Ele nunca superou o pai ter legado à Leonard a mansão e duas das fazendas da família, dividindo o espólio. Para a sociedade, foi como se o primogênito fosse incompetente. Demorou para que Steven conquistasse o respeito no comércio de tabaco. Mudou de nome.  Parece que é um bom administrador, tanto que hoje, tem muitos bens.

Conversaram mais um pouco e Edwin deu detalhes da rotina de Steven para sua patroa. Separaram-se, quando ainda estavam perambulando entre as barracas da feira.

Evernood retornou imediatamente para o hotel e foi para o quarto. A detetive particular encontrou a sua companheira de investigação sentada à mesa, lendo alguns papéis.

— Bom dia!

Cumprimentou, retirando as luvas e jogando-as sobre a cama.

— Bom dia. Esteve com Edwin?

— Sim e tenho boas informações a respeito do irmão mais velho do senhor Bryer.

— Ótimo.

Margareth respondeu, tranquila, porém, Elizabeth via que a atenção dela estava centrada unicamente no que tinha nas mãos. Evernood sentou-se à frente e mesmo assim não conseguiu a atenção da detetive de polícia. Esperou.

— Steven patrocina esportistas de golf, não é?

— Sim.

Evernood respondeu, expressando curiosidade pela linha de raciocínio da amiga.

— Veja o que Spencer me trouxe da perícia. Greendwish deu a ele para nos entregar, antes de pegar o trem.

Evernood leu o relatório da perícia.

— Encontraram uma luva de golf rasgada no mausoléu e um boné de golf na praia, perto do corpo da senhora Bryer. O professor da universidade também identificou o brasão na adaga. Interessante.

Os olhos de Elizabeth não largavam as letras do relatório e Margareth a interrompeu.

— Vamos deixar a furtividade de lado. Creio que a nossa abordagem agora deva ser encará-lo de frente.

— Concordo.

Evernood respondeu, encarando-a. Sabiam que se o interrogassem oficialmente, a cidade inteira saberia quem elas eram e muito mais atenção aos detalhes deveriam ter.

A porta da fazenda Hook Tabacos foi aberta e o mordomo as direcionou para uma sala. Não havia ninguém além delas, e o mordomo informou que o senhor Steven Hook estava terminando um negócio e já as receberia. Perguntou se desejavam um chá e elas responderam que sim. Logo que o mordomo as deixou sozinhas, Evernood foi até a porta para espiar o corredor.

— Ora, ora! Veja quem está aqui.

Margareth se aproximou e discretamente olhou o corredor. Um homem mais velho se despedia de um jovem.

— O seu flerte do restaurante não falou que era amigo frequentador da casa do senhor Steven Bryer… Quer dizer, Hook.

Assim que Margareth falou, Elizabeth revirou os olhos enfadada e voltou a reparar nos dois homens que terminavam de conversar no corredor. O mordomo se aproximou, entregando ao visitante um “trend-coach” e luvas. Parecia que estavam se despedindo. As duas retornaram à sala de visitas e se sentaram.

— Reparou as luvas?

Margareth perguntou, recebendo um sinal afirmativo da companheira de investigação.

— Ou aqui é moda usar luvas de golf, ou aquele rapaz é um jogador patrocinado pelo senhor Bryer… Quer dizer, Hook – Elizabeth respondeu.

— Tenho certeza de que agora o senhor “sei lá como o chamaremos”, sabe de nossa presença.

— É uma cidade pequena, Meg. Além da época de temporada de férias, os visitantes certamente são negociantes de tabaco. Duas mulheres chegando na cidade, sozinhas, chamam a atenção.

— Então, daremos a ele as respostas que quer a nosso respeito e veremos como ele reage.

Assim que a senhorita Blindwar falou, a porta se abriu e o senhor que conversava no corredor entrou, fazendo-as se levantar para cumprimentá-lo.

— Senhor Bryer, sou a detetive de polícia Blindwar da agência central do governo e esta, – Apresentou Elizabeth – a detetive consultora, senhorita Evernood.

— Prazer em conhecê-las. – Estendeu a mão para cumprimentá-las. – Mas por favor, chamem-me de senhor Hook. Adotei o nome de meu avô materno, já há alguns anos.

Ele fez um sinal para que elas se sentassem, foi até uma mesinha lateral, abriu uma caixa e retirou um charuto. Calmamente o acendeu, sentando-se de frente para elas. Elas sabiam da adoção da nova identidade, porém, Margareth queria confrontá-lo para ver como se comportaria.

— A que devo a honra desta visita?

Ele foi direto ao ponto. Não estava alterado. Na verdade, estava incrivelmente calmo.

— Não sei se a notícia chegou até o senhor, mas o mausoléu de sua família foi violado e vandalizado, dois dias após a morte da senhora Florence Bryer.

— Não me interesso por mais nada da família do senhor Leornard Bryer. Aliás, quem me conhece, sabe que há muito tempo não nos considerávamos mais irmãos. Meu pai foi bem taxativo no testamento, quem ele queria para perpetuar o legado da família Bryer. – Sorriu sarcástico, puxando um pouco da fumaça do charuto. – Ironia, eles não terem mais um herdeiro, não?

— Independente se não há mais vínculos entre o senhor e a família Bryer, infelizmente temos que investigar o ocorrido.

Elizabeth se pronunciou, para que ele não saísse pela tangente, dispensando-as tão cedo. Ele as observou, enquanto fumava mais um pouco.

— O que querem de mim? Não via meu irmão há anos, e depois que morreu, me desvinculei completamente. Deveriam conversar com meu outro irmão traidor, Eliot Bryer. Ele se interessava pela família. Só não posso afirmar se era interesse econômico, ou se nutria algum sentimento verdadeiro. Para comigo, foi só desprezo que recebi dele, após a morte de meu pai.

— Me desculpe, senhor Hook, mas temos que ir a fundo nas perguntas, pois nos elucidaria muito este caso.

O homem acenou afirmativamente a cabeça.

— O senhor Hook, reconhece esta adaga?

O senhor Hook pegou a fotografia das mãos da detetive de polícia e observou.

— Sim, reconheço. Era de meu pai. Há anos não a via. Certamente ficou com Leonard, pois não pude retirar nada da mansão, quando meu pai morreu.

— O vândalo a abandonou na cena do crime. Com certeza o seu irmão ou a senhora Bryer não poderiam ter utilizado, já que estavam mortos.

O senhor Hook parou com o charuto a meia distância da boca, encarando-as.

— O que está sugerindo, senhorita?

Perguntou diretamente para Margareth, já que ela havia feito a pergunta.

— Não estou sugerindo nada, senhor. Estou apenas levantando questões. Temos que entender como foi parar na mão do criminoso.

Ele projetou o corpo para frente, e a aparente calma, resvalava de seus modos e fala.

— Eu não sei como foi parar na mão do criminoso. Deveria perguntar para aquela degenerada da governanta que ficou com o restante dos bens de minha família, já que ela e o filho herdaram a propriedade.

— Já fomos lá, senhor Hook, e tenha certeza de que voltaremos. Mesmo assim, temos que investigar todas as vertentes.

Elizabeth respondeu, observando cada reação do entrevistado.

— Por que eu vandalizaria o mausoléu? Digam-me: Qual meu interesse em algo que abandonei há tanto tempo?

— Diga-nos, o senhor. Havia algo de família que gostaria de recuperar… Uma joia talvez, ou mesmo exorcizar mágoas do passado?

Ele voltou a se recostar na poltrona, rindo, como se a pergunta fosse uma tolice.

— Creiam-me, deixei meu passado no passado. Consegui recuperar prestígio e dinheiro. De que me valeria uma ação torpe como essa? Jogar por água abaixo tudo que conquistei?

— Pode apostar, senhor Hook; muitas mágoas profundas, fazem as pessoas cometerem atos insanos.

Ele mirou diretamente a detetive Blindwar.

— E pode apostar que eu não sou homem de viver no passado. Quem me conhece sabe. Agora, – Ele se levantou – tenho negócios a administrar. Acredito que não tenho mais informações para as senhoritas.

As duas detetives também se levantaram. Compreenderam que estavam sendo dispensadas.

— Muito obrigada por nos atender, senhor Hook.

Antes que as duas saíssem, Elizabeth se voltou novamente para ele.

— Há outras evidências. Acharam uma luva de golf e um boné de jogador de golf também.

O senhor Hook elevou uma das sobrancelhas, permanecendo em silêncio, enquanto o seu mordomo acompanhava as duas detetives até a porta. Quando saíram, Blindwar inquiriu Evernood insatisfeita.

— Por que lhe deu informações sobre os outros objetos encontrados? Se ele for o mandante…

— … Irá se agitar para tentar encobrir e Edwin estará no encalço. Poderá cometer erros e o pegaremos. Todavia, se não for ele, não fará nada e…

— … e poderemos descartá-lo. – Blindwar concluiu. – Mesmo assim é uma jogada arriscada. Edwin não conseguirá vigiá-lo constantemente. A fazenda tem segurança.

— Não subestime Edwin, Meg. De qualquer forma, não conseguiríamos extrair mais nada do senhor Hook.

— Ele ficou reticente quando falei sobre mágoas passadas, Beth. Não gostou da alusão que fiz.

— Qualquer um ficaria. Não que eu ache que não possa ter sido ele, porém, o senhor Hook está certo, no que se refere a ter reconstruído a vida e estar muito bem. O único motivo que teria para saquear o mausoléu, seriam as mágoas e nada mais. Por que se arriscaria?

Retornaram ao hotel e almoçaram no restaurante, enquanto esperavam notícias de Edwin e do policial Spencer. Após algum tempo, o policial chegou, juntando-se a elas.

— Fiz como pediram, senhoritas. Andei pela feira e Edwin me abordou. Disse que o senhor Howard, após sair da fazenda do senhor Hook, é esse o nome dele agora, não é?

— Sim, Spencer. É esse o nome que adotou.

— Bem, o senhor Howard foi direto ao telégrafo e mandou uma mensagem. Edwin disse que tentaria ver para quem ele enviou. O golfista parecia um pouco nervoso.

— Spencer, você continuará sendo nosso contato com Edwin. Não quero que nos vejam com ele. Continue circulando pela cidade.

— Já me encarreguei disso, senhorita Evernood. Marcamos de nos encontrar à noite, num pub, para ele me passar o que descobriu. Minha passagem de trem está marcada para amanhã de manhã.

— Eu tenho uma ideia. – Margareth interrompeu. – Eu e Elizabeth voltaremos ainda hoje, para podermos interrogar o irmão mais novo. Assim não daremos muito tempo das notícias circularem entre os irmãos.

— Bem pensado, Meg! Aquela história do senhor Hook não se dar bem com ninguém da família não me soou verdadeira. – Elizabeth concordou, virando-se para o policial. – Faça o seguinte, Spencer, assim que conversar com Edwin, sigam para a estação de trem e adiantem as passagens. O último trem parte meia-noite, se puderem pegar num horário antes, melhor. Edwin encontrará um jeito de me contatar, antes de chegarem na capital e me informar do que descobriram.

As duas detetives chegaram à noite na cidade.

— Quer que lhe deixe em casa?

Evernood perguntou, antes de se dirigirem para a sua mansão. Estava ansiosa, não só com o caso, mas também, em como a amiga estava lidando com a relação delas. Embora não retornasse àquele assunto, deixando que o caso tomasse conta da relação delas naquele dia, estava ansiosa e angustiada.

Margareth parecia estar mais relaxada, diferente do dia anterior. A naturalidade havia retornado, o que fez com que a detetive particular especulasse o que havia mudado.

— Não. Meus pais me esperam somente amanhã e sei que minha mãe me questionará se descobri algo. Posso dormir hoje em sua casa?

— Lógico!

Evernood respondeu com mais entusiasmo do que gostaria de demostrar, fazendo Blindwar sorrir de lado.

— Apenas dormir, Beth. Nada mais.

Elizabeth enrubesceu, atitude pouco comum a ela. Sacudiu a cabeça e devolveu o sorriso. Sabendo que havia sido pega num deslize eufórico.

— Não seja convencida.

Evernood retrucou, sem tirar os olhos da direção de seu carro.

— Não vamos começar com esses jogos, Beth. – Margareth respondeu jocosa. – Sabe que não me engana com suas artimanhas. Já se declarou para mim e eu para você. A questão é: Você disse que faria o que eu decidisse.

— E farei, Meg, mas não pode me condenar por ter esperanças.

A resposta de Elizabeth, embora perturbasse a mente caótica de Margareth em relação a elas, dava-lhe segurança e acalanto.

Após o jantar entre conversas e especulações sobre o caso, subiram para dormir. Edwin havia conseguido ligar para a mansão Evernood e dera algumas informações importantes. Na manhã seguinte, sairiam bem cedo para encontrar com Eliot Bryer.

Margareth caminhou pelo corredor dos quartos, no entanto, não parou de frente a porta, onde normalmente era designado seu quarto na mansão Evernood. Seguiu em frente, despertando uma curiosidade e grande expectativa em Elizabeth. Nada falou até que chegassem à porta do quarto da anfitriã.

— Gostaria de dormir com você, como temos feito, porém, queria sua palavra de que não tentará nada.

— Tem minha palavra de que não tentarei nada. Saiba que dormir com você, independentemente de qualquer coisa, me fará muito feliz.

Evernood respondeu, abrindo a porta de seu quarto para que a detetive de polícia passasse.

— Pegarei sua valise no outro quarto para que possa se trocar.

Evernood completou animada. A perspectiva de Margareth querer experimentar aquele tipo de aproximação, deixou-a esfuziante. Entendia que para alguém como ela, inserida em um meio opressivo, religioso e respeitador da lei, os passos teriam que ser lentos. Entretanto, o fato dela querer entender o que sentia e se permitir trilhar por caminhos de descobertas, fazia com que Elizabeth se instigasse mais.

Margareth pegou a valise e se trocou atrás do biombo. Enquanto isso, Evernood temendo ofendê-la, virou de costas, trocando-se em frente a cama. Blindwar não estava preparada para o que se seguiria. Saiu de trás do biombo falando:

— Amanhã Eliot…

Parou a fala, embevecida pela imagem de Elizabeth, ainda nua, resvalando a bata por sobre os ombros. A pele lisa como a seda, recebendo o beijo do tecido aos poucos, cobrindo as formas curvilíneas até que nada mais estivesse desnudo, além das pernas, fez a detetive de polícia desestabilizar. Meu deus! Ela é maravilhosa! Pensamentos licenciosos tomaram a sua mente, até que viu a amiga se virar para ela, lançando-lhe um sorriso luminoso e espontâneo.

— Ah, amanhã Eliot Bryer já terá informações sobre nós.

Terminou a frase, que fora interrompida pelo seu estado de momentâneo torpor.

— Vamos dormir, Meg. Já discutimos tudo que poderíamos. Temos que estar descansadas para encará-lo amanhã.

— Certo.

Margareth respondeu simplesmente, acomodando-se no lado da cama que havia dormido nas noites em que ficara anteriormente com a amiga.

Elizabeth não se incomodou em ocupar seu lugar na cama e abraçá-la, como fizera antes. Beijou o rosto da detetive de polícia, desejando-lhe “boa noite”. A naturalidade de Evernood fez com que a tensão dos dias anteriores, resvalassem para um canto longínquo da mente de Blindwar. Ela caiu num sono profundo e acolhedor, entre os braços da detetive particular.

— O senhor Eliot Bryer está?

A detetive Blindwar não teve cerimônias para se apresentar. Mostrou o distintivo às portas da velha casa de fazenda. Aquela propriedade, apesar de estar na área da capital, era distante do centro urbano.

— Ele ainda não acordou, senhora.

O mordomo falou.

— Aguardaremos.

Blindwar entrou no vestíbulo da entrada da casa sem cerimônias, rebocando a detetive particular no esteio. O mordomo sentiu-se intimidado, no entanto, não contradisse. Deixou-as entrar e as acompanhou até a sala de visitas.

— Assim que o senhor Eliot Bryer acordar, o informarei da presença de vocês.

— Obrigada.

— Desejam beber alguma coisa?

— Não. Estamos bem, obrigada.

Blindwar agradeceu, e o mordomo saiu. Evernood revirava a sala com o olhar, despertando a atenção da detetive de polícia. O mobiliário era rústico, porém malcuidado.

— Parece que o senhor Eliot não anda tão bem quanto o irmão.

Elizabeth comentou, analisando todo o local.

— É.

O comentário simples de Margareth deu a dimensão de que pensava como a amiga. Neste momento, Eliot Bryer entrou na sala.

As roupas desarrumadas e o modo desleixado da aparência, chocaram as duas detetives. Parecia que ele tinha dormido e levantado com a mesma roupa, não se importando em se apresentar para as duas mulheres daquele jeito.

— Como vão, senhoritas? Não sabia que a cidade tinha mulheres tratando de assuntos policiais. Ouvi falar que estão atrás de quem violou o mausoléu de minha família.

Ele estendeu a mão para cumprimentá-las, mas seu jeito de desprezo dava a real dimensão do que pensava sobre o assunto.

Elas o cumprimentaram e ele se jogou num sofá, como se estivesse lidando com pessoas vulgares.

— Vamos ao que interessa…

A conversa fora mais difícil do que com o irmão mais velho. O senhor Eliot Bryer foi debochado, depreciando as detetives e o sistema de segurança pública, achando um absurdo que a polícia tivesse designado mulheres para a investigação. Para ele, o fato de terem colocados duas detetives femininas a frente do caso, dizia que a polícia não se importava com o assunto.

— Veremos qual o passo que ele dará, agora.

Blindwar falou, assim que saíram da casa, demonstrando para Evernood que acreditava que ele fizera um “pequeno circo”, para despistar de respostas autênticas.

— Certamente o irmão é mais inteligente que ele. – Elizabeth comentou. – Não foi tão transparente. O que me leva a pensar que…

— … O irmão o despreza.

— Bem, não tiraremos conclusões precipitadas. Temos que vigiá-lo. – Elizabeth concluiu.

— Pelo visto, não será muito difícil. Se mostrou um homem descuidado e acredito que Edwin não terá muito trabalho.

Elizabeth acenou afirmativamente com a cabeça, enquanto entrava no carro.

Elas estavam certas. A vigia de Edwin surtiu efeito e à noite, haviam conseguido rastreá-lo e também à Howard, o golfista. Estavam escondidas no jardim da mansão Bryer, esperando que ele e seu comparsa atacassem, quando viram que Eliot bateu à porta da cozinha nos fundos da mansão. Um homem saiu para conversar com o irmão mais novo da família. A nova situação as deixou atônitas.

— Eu perdi algo? Quem é esse?

Evernood sussurrou, puxando Margareth pela mão para se aproximarem entre as sombras da noite. Queria ouvir a conversa.

— Essa jóia pertence a minha família! – Eliot esbravejou.

— Sim, ela pertence, mas se a senhora e o senhor Leonard Bryer quisessem que ficasse com qualquer um dos irmãos, não enterrariam dentro do peito dela! Ele não pertence a vocês!

— Ela me livrará de meu infortúnio e você tirou isso de mim!

— Então me denuncie, Eliot!

O rapaz que falava com Eliot Bryer sorriu com desprezo.

— Ora, seu bastardo!…

Eliot o atacou, socando-o, mas a embriaguez, não permitiu que o irmão mais novo dos Bryer conseguisse atingir o rapaz que se esquivou com facilidade.

— Me dê a jóia!

Ele tentava atingir o outro, sem sucesso, sendo rechaçado com facilidade. Quando Margareth tentou sair da proteção das árvores, Evernood a segurou, contendo seu impulso. Blindwar a olhou intrigada e ela apontou com a cabeça outro elemento que saía das sombras. Era o golfista.

— Acho que essa discussão está longe de acabar.

A detetive de polícia falou,  retornando ao abrigo das árvores do jardim.

— Se esperarmos mais um pouco…

— … Saberemos de toda a trama.

Blindwar concluiu o raciocínio de Evernood.

— E poderemos prendê-los com segurança.

Elizabeth decretou.

O golfista se aproximou e segurou Eliot pelo braço.

— Você já está encrencado, Eliot! Vamos embora!

— Não vou embora sem o meu pingente. Se esse bastardo não tivesse aparecido para roubá-lo de mim, eu já teria conseguido comprador e teria me livrado das dívidas! Você deveria estar me ajudando e não defendendo esse moleque!

— Você vandalizou o mausoléu e sequestrou o corpo de uma mulher para pegar uma joia que fora enterrada com ela. Eu só o impedi de roubar. Quem é o moleque aqui?! – O homem gritou.

— Você está bêbado e essa atitude não vai nos ajudar em nada! – Concluiu o golfista.

— Não sei o que você tem a ver com essa história, senhor, mas pelo que percebo é sensato. Tire o senhor Eliot Bryer daqui, antes que eu os denuncie por invasão de propriedade. – Advertiu o rapaz.

— Invasão de propriedade?! Essa casa era da minha família e não sei o que sua mãe fez para que a tonta da Florence cedesse tudo a vocês. Certamente você deve ser um bastardo do meu irmão e ele nunca o assumiu. Vou denunciá-lo pelo roubo do pingente!

— Me denunciar? Eu lutei com esse seu amigo aí, – apontou para o senhor Howard – na praia, para recuperar o que vocês tinham roubado! Além do quê, vi os dois saindo do cemitério com o corpo dela! Se não fosse o fato da polícia estar com o corpo da senhora Florence, eu já teria retornado esse pingente ao lugar a que pertence, que era dentro do peito dela, de onde vocês tiraram!

Elas ouviam a tudo e começavam a compreender a história. Aquele rapaz era o filho da senhora Jackson e pelo visto, havia impedido os outros dois de levarem o que procuravam no mausoléu.

— Esse pingente é meu! Me devolva!

Eliot Bryer gritou, sacando uma arma do cós da calça, apontando para o rapaz.

— O que está fazendo, Eliot? Não sou assassino e vou embora agora! Para mim, já chega!

O golfista assustando-se com a atitude destemperada do amigo, advertiu, virando-se para sair, no que foi impedido, imediatamente, pelo irmão mais novo dos Bryer.

— Você não vai a lugar nenhum! Está comigo nisso.

Eliot atirou na direção de Howard, atingindo a perna dele. O golfista caiu em dor. As duas detetives saíram das sombras com as armas em punho, quando viram a atitude desesperada de Eliot.

— Parado, senhor Bryer! É a polícia!

Margareth o advertiu, apontando a sua arma. Foi nesse momento que a porta da cozinha abriu e a senhora Jackson apareceu.

— O que está havendo aqui? Carter, meu filho, o que significa toda essa gritaria?

Eliot Bryer, desesperado, apontou a arma para ela e Margareth reagiu, atirando nele, mas não sem antes dele atingir a senhora Jackson.

Em segundos, Carter Jackson estava ao lado da mãe, amparando-a, enquanto Evernood se aproximava do corpo inerte de Eliot Bryer. Ela aferiu o pulso e constatou a morte do homem. Voltou-se para a amiga, que paralisara, após ter atirado. Fez um sinal com a cabeça, para indicar que ele havia morrido. A detetive de polícia não se moveu e Elizabeth desconfiava o porquê. Provavelmente ela nunca atirara contra um ser vivo e estava em choque.

Edwin se aproximou.

— Desculpe-me senhorita Evernood. Não acreditei que chegaria a esse ponto.

O mordomo se condenava por não ter atuado antecipadamente. Não percebera que Eliot Bryer carregava uma arma e se culpava por esta falha.

— Você não tem como prever tudo, Edwin.

Ela o confortou, aproximando-se da senhora Jackson. Ela estava consciente. Verificou onde o tiro de Eliot havia pegado e observou que a bala passara de raspão no braço. Carter Jackson estava chorando e entendeu que ele estava abalado demais para agir.

— Auxilie ao senhor Carter Jackson a levar a mãe para o hospital. Pelo que vejo, ela não está em perigo de morte. Chame Greendwish para cá.

— Sim, senhora. Levarei também o senhor Howard.

Elizabeth anuiu, desvencilhando-se daquele caos para ir até a amiga.

— Você está bem?

Era uma pergunta retórica, já que Evernood conhecia muito bem aquela sensação. Matar alguém não era algo fácil.

— Eu não queria, Beth… – Margareth falou irrefletidamente. – Não queria matá-lo. De repente, reagi…

Elizabeth pousou a mão na arma, que ainda estava apontada para o local onde Margareth havia atirado. As mãos da detetive de polícia tremiam.

— Eu sei.

Evernood forçou a mão da amiga para baixo e retirou a arma das mãos dela. Abraçou-a forte, recebendo um abraço em igual intensidade. Sentia todo o corpo da detetive de polícia tremular em seus braços.

A polícia vasculhara toda a mansão para encontrar o pingente. Carter Jackson não facilitara na busca. Não dissera onde colocara a jóia. Disse que queria falar diretamente com a detetive Blindwar. Ela foi ao departamento e ele a fez prometer que, se dissesse onde o pingente se encontrava, colocaria de volta no corpo da senhora Bryer e o enterraria. Ela conseguiu o acordo com Greendwish.

— Muito bem, senhor Jackson. O pingente está conosco e ele será devolvido ao corpo da senhora Bryer e enterrado com ela, como pediu. Manteremos nosso acordo. Embora eu e a senhorita Evernood tenhamos escutado tudo que ocorreu, queremos um depoimento oficial seu e algumas respostas.

Blindwar falou, sentando-se à mesa, de frente para o réu.

— Farei meu depoimento como combinado.

Elizabeth também estava presente na sala de interrogatório, juntamente com Dashwood. Ela tinha o pingente na mão. Avaliava-o atentamente, enquanto caminhava pela sala.

A peça era incrivelmente linda e bem-feita. Um pingente oval em ouro trazia encrustado no centro, um diamante azul, raríssimo, que era abraçado por pequenos diamantes de cor branca-translúcidos. Diamantes comuns por assim dizer.

Elizabeth escutava toda a história do filho da senhora Bryer, mas aquela peça chamava sua atenção, mais do que qualquer coisa. A base de ouro do pingente era grossa, embora o peso dela não condissesse com o tamanho. Manipulava-o, virando de ponta a cabeça, entre seus dedos.

— É só isso que tem a dizer?

Evernood acordou de sua contemplação, ao escutar ao longe a voz da amiga, indignada com o relato raso que o senhor Jackson havia prestado.

— Diga-me, senhor Jackson: Por que foi ao mausoléu àquela noite? Disse que queria prestar homenagem a senhora Bryer, mas não o vimos no enterro.

Evernood disparou, sem piedade.

— Eu… Eu considerava a senhora Bryer como minha segunda mãe. Não fui ao enterro, porque não consegui encarar a morte dela.

Carter Jackson deixou seu olhar vagar pelo tampo da mesa, antes de continuar e a detetive Blindwar o observou com atenção, incentivando-o a continuar.

— Entendemos isso, senhor Jackson.

Segurou a mão algemada dele, dando-lhe conforto. Um truque que se utilizou, diante da resposta emotiva do rapaz.

– Queremos saber por que foi naquela noite, se havia sido tão difícil para ir ao enterro. – Margareth concluiu.

— Me sentia culpado, por não ter ido e… e estava em falta com minha mãe, quer dizer, com a senhora Bryer. – Ele se agitou, emendando a fala com raiva. – Quando cheguei lá, vi o corpo dela no chão e “eles” tentando abrir o peito dela. Largaram tudo quando me viram. Howard colocou o corpo sobre os ombros e fugiu, levando-a e Eliot seguiu atrás. Fiquei tão atônito que quando reagi para persegui-los, só os alcancei na margem do rio.

— Foi quando lutou com Howard?

Evernood perguntou, ainda manipulando o pingente entre os dedos.

— Sim. Ele estava cansado e Eliot não estava mais lá. Na luta, ele deixou cair o pingente. Logo depois correu, fugindo. Foi quando vi o que queriam com o corpo da senhora Bryer. Eu estava assustado. Peguei o pingente e fugi também.

— Por que não veio até nós? – Margareth questionou.

— Porque poderiam não acreditar na minha história, afinal, como a senhorita Evernood falou, o diamante azul é raríssimo e muito valioso. Até pouco tempo, era somente o filho de uma governanta e o gerente de uma fazenda de tabaco.

Margareth se levantou, satisfeita. Afinal, só constatou o que havia escutado na discussão da noite anterior entre ele e o senhor Eliot Bryer. Antes de sair, o rapaz perguntou:

— O que acontecerá comigo?

Ela se voltou para ele novamente.

— O que fez não é um delito grave, senhor Jackson. Eu deporei a seu favor. Escutei toda a discussão entre o senhor e Eliot Bryer. Não foi você quem violou o corpo, no entanto, ficou com o fruto do roubo. Arrume um advogado e certamente terá uma pena branda.

— Não me importo em pagar por isso. Quero somente que você me certifique de que o pingente retornará para seu lugar de direito.

— Essa é a lei, senhor Jackson. – Margareth respondeu. – Determinação de um testamento feito pela senhora Bryer. Ele voltará para o peito dela, dentro do mausoléu, esteja certo disso.

Ele anuiu, e os detetives saíram da sala.

Dois dias depois, a senhora Bryer era sepultada novamente, sob a vigilância da polícia. Margareth e Evernood acompanharam e quando saíram do cemitério, Evernood direcionou o carro para a mansão Bryer.

— Vamos visitar a senhora Jackson. Tenho algo que pertence a ela e preciso entregar-lhe.

Evernood respondeu à pergunta muda de Blindwar, após pegar a estrada para fora da cidade.

— Abra o porta-luvas e pegue uma pequena foto que está aí.

Elizabeth orientou a amiga, para que ela entendesse o que dizia.

— O pingente era um relicário e esta foto estava dentro dele. – Concluiu a explicação.

Margareth pegou a foto, observando-a estarrecida.

— Quando soube que o pingente era um relicário, Beth?

— No interrogatório de Carter Jackson. Estava com ele na mão, e de repente, meus dedos esbarraram na trava e ele abriu. Quando vi a foto, entendi por que ele queria tanto que o pingente voltasse a ser enterrado.

Margareth emudeceu.

Chegaram à propriedade e foram atendidas com a maior diligência. A senhora Jackson, apesar de estar se recuperando, as recebeu pessoalmente. A braço ainda doía e estava enfaixado, mesmo assim, ela as recebeu na sala de visitas.

— Minhas meninas! – Falou esfuziante. – Agradeço o que tem feito pelo meu filho e creiam-me, se soubesse o que ele estava fazendo, não o deixaria esconder da polícia o que ocorreu.

— Obrigada, senhora Jackson, mas estamos aqui por outro motivo. Precisamos entregar algo que lhe pertence.

Evernood estendeu a foto, já acomodada no sofá, em frente a ela. A senhora Jackson pegou a foto, perdendo seu olhar na gravura. Uma lágrima rolou de sua face.

— Então vocês encontraram.

As detetives acenaram consternadas.

— Devo me preparar para ser presa?

— Não! Lógico que não. – Evernood se adiantou na resposta. – Viemos somente lhe entregar. A fotografia pertence a senhora.

A senhora Jackson recostou-se na poltrona, encarando a foto, perdida em pensamentos.

— Carter é um bom filho e foi sempre nosso filho. Florence e Leonard não eram um casal muito convencional. Quando vim trabalhar aqui, tentei evitar ao máximo a atração que senti pela minha patroa, mas Florence não me facilitou. – Sorriu nostálgica. – Nos apaixonamos e eu tive medo, mas com o tempo, vi que era essa a condição familiar de Leonard e Florence. O casamento fora um acordo entre eles. Compartilhavam da mesma desventura.

— Amarem pessoas do mesmo sexo.

Margareth expressou entre devaneios, entendendo toda a saga daquela família.

— Sim. Depois que vi que não podia resistir ao meu sentimento por ela, aceitei. Vivemos uma vida plena de amor. Leonard também vivia uma vida plena, porém, seu amante também era de uma família nobre e não vivia aqui conosco. Não me arrependo, um só segundo, de minha escolha. Amei Florence com todo o meu coração.

Ela se levantou e jogou a foto em que elas duas estavam se beijando na lareira. Observou o fogo destruí-la aos poucos. Margareth levantou-se atônita.

— Não precisava fazer isso. Não a denunciaríamos.

— Ah, minha menina Meg! Tudo de que preciso, são minhas lembranças dela. Obrigada por entender a dimensão do que foi nosso amor. – Suspirou. – Mais uma vez, peço desculpas pelo meu filho. Ela amava a outra mãe dele, incondicionalmente, assim como a mim. Tudo que ele fez, embora, se tivesse me dito, eu não concordaria, foi por amor a nós.

— Provavelmente seu filho não ficará preso, senhora Jackson. Ele retornará em breve.

— Então ainda tenho motivos de alegria nessa vida, mesmo com a morte de Florence.

A senhora Jackson sorriu, em resposta a Evernood.

— Responda-nos mais uma coisa, se não se importar.

— Claro, menina Meg.

A doçura com que a senhora Jackson sempre a chamou, desde criança, lembrava o mesmo carinho que recebia de sua ex-babá e governanta. Sorriu.

— Seu filho também é filho do senhor Leonard Bryer?

A ex-governanta sorriu nostálgica.

— Não. Eu estava grávida quando vim trabalhar aqui. Na verdade, eu havia fugido de minha cidade natal por estar grávida de um de meus primos. Ele vivia se acercando de mim e um dia, me encontrou sozinha no celeiro de minha casa, pois eu cuidava do feno, para que não apodrecesse antes do inverno.

— Ele abusou da senhora?

— Não é abuso, minha menina, se o rapaz fala que a garota se jogou nos braços dele. Meu pai acreditou no meu primo e me colocou para fora de casa.

— Por Deus! Isso é monstruoso!

— Não se amofine. Já faz muito tempo e tive o amor de minha Florence para me ajudar a superar. Superei traumas, recuperei a minha confiança e ainda, tive a oportunidade de deixar que o amor pelo meu filho frutificasse. Não se enganem; ainda trago muita mágoa de meu primo e da família. Minha vida poderia ser como de muitas outras garotas que passam pela mesma situação que eu, todavia, creio que Deus se apiedou de mim.

A senhora Jackson deu uma pausa, todavia, nada foi dito pelas visitantes. Permaneciam mudas, tentando absorver toda a história.

— Acho que foi por isso que chamei atenção de Florence. O filho herdeiro dos Bryer havia nascido há três anos e Forence falava que não havia nada mais lindo do que uma mulher grávida. Ela cuidava de mim, enquanto eu cuidava do filho dela. Quando Carter nasceu, ela auxiliou a parteira e foi a primeira a segurar meu menino. – A senhora Jackson suspirou saudosa.  – Seus olhos se encheram de lágrimas e sorria como se fosse a mãe dele. A partir dali, eu me rendi aos encantos dela e aceitei nosso amor. Carter foi tratado como seu segundo filho e, ele e Richard, eram como irmãos. Quando Richard morreu na guerra, Carter tinha quinze anos e quase morreu junto, de tanta tristeza. O senhor Bryer, que já o estimava muito, tomou-se de zelos por ele. Educou-o para assumir os negócios.

— Não se importou que o nome Bryer se perdesse no tempo e nos negócios…

Margareth conjecturou, imaginando o que seria para alguém, abrir mão do legado de nome da família.

— Ah, mas não se perdeu. Antes de morrer, o senhor Bryer o perfilhou. Esse foi o único pedido de Leonard: Que Carter não mudasse o nome das fazendas de Tabaco e que seus filhos levassem o nome Bryer consigo.

— Pelo que fala, Carter os amava e acredito que não tenha sido difícil para seu filho aceitar essa condição.

— Não foi mesmo, menina Elizabeth. Ele apenas me consultou, pois se fosse perfilhado, o nome Jackson é que se perderia no tempo. Eu só precisei lembrá-lo de que o nome de meu pai, já havia se perdido quando me colocou para fora de casa.

O retorno para a cidade foi silencioso. Margareth estava perdida em pensamentos, e quando entraram na via que levava à entrada da cidade, fez um pedido inusitado a amiga.

— Pare o carro.

— O que?

— Pare o carro, Elizabeth.

Diante do pedido enfático e de ter sido chamada pelo nome e não o apelido, Evernood encostou na beira da estrada. Margareth se voltou para ela e segurou seu rosto entre as mãos, beijando-lhe ardorosamente. Afastou-se e encarou a detetive particular.

— Espere por mim. Não desista, por favor. Prometa-me!

— Eu prometo.

A resposta de Evernood foi firme, como a certeza que teve, que haveria um futuro para elas.

Fim.


Nota: Para quem é de Natal, Feliz Natal, para quem não é e quem é também, muito amor no coração!!!

Ps.: Meninas que comentaram o meu episódio anterior, vou responder, mas só dia 26/12, ok?



Notas:



O que achou deste história?

13 Respostas para 6 – Quarto Caso: Um coração, uma pedra. – Parte 3

  1. Bi,TD bem?Como foi seu natal e ano novo?? Meu foi ótimo!!
    Eu tô com uma tendinite braba no braço esquerdo e sou canhota RS. Tá complicado escrever com um dedo de uma mão só…?
    Eu entendi o q vc falou,sei q pela época era difícil, hj ainda temos dificuldades,nem quero imaginar naqueles tempos…mas fico ansiosa sabe e falo.uns disparates ,mas estou melhor agora, terei paciência com ela e fico feliz q Beth tb..tava preocupada com ISS, q Beth n tivesse, mas agora ela prometeu!!Hehehe
    Queria falar mais, porém digitar com uma mão é MT ruim,dói, é lento e cansa!! Rs
    Amei o capítulo! Ótimo caso,muito bom mesmo,uma surpresa agradável a última parte,tanto em quem invadiu o mausoléu como quem roubou a jóia..tb a parte do choque de Meg e a relação de amor da governanta com Florencia (n lembro o nome..rs). Mt bom!!
    E tb saber a relação da governanta ajudou a Meg..aliviou um pouco suas angústias e deu força,né?!!Por isso é importante a visibilidade, outros se sentem mais fortes, ajudam a se aceitarem ..

    Oxente, eu n sabia que tinha capítulo novo,se vc n avisasse no comentário…kkkkk. Pensei q tivesse publicado apenas o conto novo?

    Beijinhos de luz pra vc e sua esposa!!!
    (Imagine sem tendinites..escrevi MT kkkk).O q n falo escrevo!!Hahaha

  2. Final surpreendente. A joia guardada no peito com uma fotografia simbolizando o amor entre duas mulheres em uma época que além de pecado era crime sentir esse amor. Este caso serviu para Margareth perceber que ela e Elizabeth não são as únicas. Este fato irá dá um pouco mais de coragem para ela seguir seu coração. Saber que não estamos só é importante em momentos de descobertas.

    • Exatamente, Fabi!
      Apesar de tudo, os Lgbtqi+ arrumavam um jeito de ser e viver. A luta começou lá atrás, com pessoas que conseguiam superar as dificuldades e ficar juntas, mas também, muitos morreram, e ainda hoje morrem pela intolerância. Porém, naquela época, tinham que se esconder muito! Triste história, entretanto estamos conseguindo nos fazer ouvir.
      E sim, a Meg começa a ver que é possível e também, quebrar seus paradigmas.
      Obrigadão, Fabi! E que 2020 seja muito melhor que o ano que passou!
      Um beijão

  3. Que lindoooo. Um final muito bom pra um crime meio estranho rsss, mas gosto de ver como a Margareth está lidando com os sentimentos.
    Ps: mega curiosa para saber qual será o próximo caso.
    Bj e abraços!

    • Crime estranho é pouco. Um queria roubar pelo valor e o outro queria preservar a mãe. rsrs
      Calma! Agora tenho que findar o próximo! rsrs
      Que 2020 seja lindo e sem muitos atropelos, Marcela!
      Um beijo grande pra ti!

    • Demorei, mas cheguei! rsrs
      Tudo bem, Lil?!
      Então, pensei nesse formato por gostar muito de seriados que fazem cada episódio único, como Lei e Ordem SUV, Miss Fisher, até mesmo livros pockets de mistério, como Agatha Christie. Achei que seria legal! Obrigadão!
      Um beijo grande para você!
      Ps.: que 2020 seja lindo para você!

  4. Feliz Natal atrasadinho mas com carinho tá?! Adoro esse seu romance e esses 3 capítulos estavam excelentes. Amo a relação que MegLiz têm, respeito, admiração, amor e uma parceria linda.
    Ansiosa pelos próximos,
    Abraço Suh

    • E eu dou a você um Feliz Ano novo atrasado, também! rsrs Que 2020 seja muitoooo bom!
      A Elizabeth já tinha uma admiração pela Meg e acredito que por conta dela não se dobrar à convenções sociais. A cumplicidade e o respeito, fazem delas pessoas que se completam de irão crescer mais ainda por conta disso.
      Valeu, Suh! Brigadão!
      Um beijão para você!

  5. Lindooooo…
    Que cap. maravilhoso, apaixonei…

    Parabéns Carol, mais um caso perfeito de Evernood e Blindwar.
    Espero ter mtos mais a ler no ano q vem, pois amei a companhia.

    Bjs…

    • Oi, Nádia!
      Que legal que tenha gostado! Me incentiva a fazer outros casos. rsrs
      Vão ter outros sim. Gostei de fazer histórias assim. rsrs
      Que 2020 seja tudo de bom para você!
      Brigadão!
      Um beijão pra ti!

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