No dia seguinte ao almoço com Paula, Clara se sente confusa com o que sente pela amiga, decide ligar e desabafar com sua irmã. Conta como a amizade começou e o quanto elas tem se visto, como se sente bem ao lado dela e que não sabe se é amizade apenas, carência por estar a tanto tempo solteira ou se de fato pode ser uma paixonite.
– Olha maninha, se eu fosse você eu tentaria me distanciar um pouco para sacar o que sinto.
– É Carol talvez seja melhor. Sei que será difícil e mais complicado pra explicar pra ela.
– Faz o que sempre fez, joga a culpa no trabalho! – Carol dá uma sonora gargalhada.
– Vai brincando sua boba, tá tudo muito confuso pra mim. Parece que tô num emaranhado de linha e não acho as pontas.
– Tenta e me fala. Se afaste ao menos por uns dias.
E é o que Clara acaba fazendo, quando Paula liga para conversar, diz que está atrapalhada e desliga logo, se manda mensagem ela responde da forma mais sucinta que antes, quando Paula a chama para algum passeio diz que não pode e inventa uma desculpa qualquer.
Nesse tempo, Clara resolve passar uns dias em São Paulo. Lá vê sua família e resolve sair com alguns amigos. Guto apresenta Clara à Marina e ambas acabam conversando bastante. Lá pelas tantas, Marina pergunta se Clara quer dar uma volta e ela aceita. Acabam indo ao apartamento de Marina e passam a noite juntas.
Na tarde seguinte encontra sua irmã Carol e conta o que aconteceu.
– E aí, quer dizer que desencantou maninha??
– Sei lá, quer dizer foi agradável, já tinha um bom tempo..
– Agradável????? Aff deve ter sido uma merda sem graça!!
– Não, foi legal, ela foi bacana e tal, mas sei lá, não me soltei sabe?
– Lembrou da Alice?
– Não, tá doida???
– E se fazia tanto tempo, se a menina era bacana, por que travou?
– Só conseguia pensar que algo estava errado.
– Errado como maluca? Vocês são duas mulheres adultas que se sentiram atraídas e deram vazão a isso, onde está o problema???
– Se fosse assim, não teria o menor problema. O fato é que eu não estava tão afim.
– Depois de todos esses anos, você deve estar doida né?
– Ou…
– Ou….????
– Só vinha a lembrança da Paula…
– Ah maninha, você está é apaixonada…..
– Pior que acho que sim e não tenho a menor chance. O que eu faço?
– Vejo três saídas. Uma: você se mantém distante até que ela se canse e nunca mais te procure. A saída dos covardes.
– Não gosto disso.
– Dois: você mantém a amizade e segura no fundo da alma que tá louca por ela. A saída dos obsessivos.
– Credo, meio doentio isso.
– E três, a mais difícil, porém mais sábia saída. Diga a verdade e veja como ela agirá.
Clara respira fundo e promete pensar em tudo para resolver o quanto antes a situação.
Depois de quinze dias, Paula vai até a casa de Clara numa terça-feira à tarde, pois sabe que encontrará a amiga. Clara leva um susto quando atende à porta e a vê.
– Já que está tão complicado para você, resolvi vir aqui para te dar um oi, ver se posso ajudar.
– Entra. – diz muito sem graça.
– Você anda estranha, distante, o que está acontecendo? – Paula diz se sentando no sofá.
Clara senta na poltrona em frente à amiga, demora um tempo até elaborar a melhor forma de explicar o que sente sem assustá-la, mas também sem mentir.
– Aceita um café?
– Sim.
Vai até a cozinha e prepara o café, enquanto tenta coordenar seus pensamentos. Volta com as duas canecas e Paula fica em silêncio, olhando para ela.
– Eu fui para São Paulo ver minha família.
– Imaginei, mas não consigo entender por que não me falou e ainda mais, qual o motivo de você deliberadamente me evitar.
– Não te evitei deliberadamente…
– Ah foi sem querer? – Paula diz num tom sarcástico.
– Adoro nossa amizade, de verdade. Acho que se tornou minha melhor amiga nessa cidade e em pouco tempo.
– Também sinto isso e por isso não entendo sua atitude Clara!
– Ok, vou tentar me explicar, mas não quero te assustar ok?
– Ok.
– Você sabe que sou lésbica, certo?
– Certo.
– Sabe que estou solteira há 4 anos?
– Sei.
– Logo…
– Logo, você pirou porque está há muito tempo sem sexo??
Clara não contém o riso.
– Não Paula, liga os pontos!
– Prefiro que me explique dona Clara. – Paula se acomoda melhor no sofá com a caneca entre as mãos.
– Não sei há quanto tempo somos amigas, foi tudo meio rápido. Acredito muito que não é o tempo, e sim a energia que atrai as pessoas, amigos, namorados, enfim a todos.
– Hum.
Clara ainda confusa na forma de falar, sentada olhando mais para o chão do que para Paula, continua:
– E nos damos tão bem, a conversa sempre flui naturalmente, é fácil ficar perto de você. É bom, entende?
– E por que se distanciou?
– Justamente por isso Paula, por ser bom, mais do que deveria ser.
– Desculpa, mas só me afasto do que me faz mal.
– Às vezes nos afastamos de quem nos faz bem, por medo de machucar, entende?
– E como vamos machucar alguém a quem queremos bem? Meio confuso não?
Clara se levanta e vai até a sacada da casa, respira fundo e encosta no gradil, de frente para a sala.
– Quando o que sentimos pode afastá-la de nós.
Paula se levanta e vai até perto de Clara, se apoia na parede.
– Por acaso Clara, você quer dizer que está apaixonada por mim e tem medo que me afaste de você?
Nesse momento, Clara fica travada, não esperava essa pergunta tão afirmativa.
– É…é isso mesmo…
– Sabe, imaginei isso quando você foi para São Paulo e nem comentou nada. Fui até o bistrô e a Marcela que me disse. Até então achei que era apenas muito trabalho.
– Estava muito confusa, não conseguia saber se era amizade apenas, paixão ou carência da minha parte. Tive que me afastar para entender o que sentia.
– E conseguiu?
– Sim.
– E?
– Estou apaixonada por você Paula.
– Clara não vou me afastar de você por isso. Também me questionei sobre o que sinto por você. Adoro sua companhia, te acho engraçada, autêntica, mas de verdade, nunca me senti atraída por mulher nenhuma e nunca me vi indo para a cama com você, nem sequer beijando você.
– No fundo sempre imaginei isso, tudo bem. Mas e agora?
– Agora gostaria que nossa amizade continuasse, claro se você quiser. E me desculpe.
– Não há motivos para me pedir desculpas.
– Acha que podemos tentar?
– Sim e prometo não te agarrar!!!
Ambas riem e se abraçam. Terminam o café e combinam de irem até a capital na próxima folga de ambas.